A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), encaminhou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedido para que seja apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de inconstitucionalidade de decretos municipais que estabelecem a entrega da chave das cidades a Deus e determinam o cancelamento de todos os “pactos” contrários ou não pertencentes ao credo citado.
Os decretos foram publicados em janeiro deste ano pelos municípios de Alto Paraíso (RO), Guanambi (BA), Sapezal (MT) e Santo Antônio de Pádua (RJ). Além de entregar a Deus “as chaves do município”, as legislações estabelecem que “todos os setores da prefeitura estarão sobre a cobertura do altíssimo” e que “todos os principados, potestades, governadores deste mundo tenebroso, e as forças espirituais do mal, nesta cidade, estarão sujeitas ao Senhor Jesus Cristo de Nazaré”.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, as legislações ferem claramente o preceito constitucional da laicidade do Estado, evidenciando claro privilégio a determinado segmento religioso e tratamento desfavorecido e excludente em relação àqueles que não abraçam referido credo.
“Não há dúvida de que a criação de atos normativos com esse conteúdo desvirtua a postura de neutralidade que se deve esperar do Poder Público frente às questões religiosas no atual regime democrático, que deve estar comprometido em assegurar um espaço social favorável ao pluralismo de ideias e crenças, duramente conquistado após diversas lutas emancipatórias no processo constituinte”.
Igualdade
No documento encaminhado ao PGR, a PFDC explica que a laicidade estatal – adotada na maioria das democracias ocidentais contemporâneas – é um princípio que opera em duas direções: de um lado, protege as diversas tendências religiosas do risco de intervenções abusivas do Estado nas suas questões internas; por outro, protege o Estado de influências provenientes do campo religioso.
“Em uma sociedade plural, como a brasileira, em que convivem pessoas das mais variadas crenças e afiliações religiosas, bem como aquelas que não professam credo algum, a laicidade converte-se em instrumento indispensável para possibilitar o tratamento de todos com o mesmo respeito e consideração. Contrariamente, o endosso pelo Estado de qualquer posicionamento religioso acarreta injustificado tratamento desfavorecido em relação àqueles que não abraçam o credo privilegiado, que são levados a considerar-se como ‘cidadãos de segunda classe’”, esclarece a PFDC.
Por impactar na postura de neutralidade que se deve esperar do Poder Público frente a questões religiosas – e da difusão de sentimentos de intolerância e discriminação em relação àqueles que professam ideologias diferentes – a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão também pede que os atos sejam suspensos enquanto não houver desfecho da análise por parte do STF.