O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, depôs nesta quarta-feira (5) na CPI da Covid. Teich foi o segundo titular da pasta no governo Jair Bolsonaro. O oncologista comandou o Ministério da Saúde por menos de um mês, entre 17 de abril e 15 de maio do ano passado, e deixou o cargo após divergências com o presidente Jair Bolsonaro sobre políticas a serem adotadas contra o coronavírus. Ele é ouvido na condição de testemunha, quando há o compromisso de dizer a verdade sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho.
“Durante a minha gestão, no período curto, iniciamos um programa de controle de transmissão. Um programa de testagem e um que avaliava o distanciamento. A ideia era a elaboração de um protocolo nacional […] A ideia era trabalhar a parte de testagem, isolamento, rastreamento. Isso não envolveria só o Ministério da Saúde, mas outros ministérios […] Minha passagem foi curta e não pude dar seguimento ao desenvolvimento desses projetos.”
“Eu trouxe a vacina de Oxford, da AstraZeneca, pro Brasil, através dos estudos clínicos. Comecei abordagem com a empresa Moderna. Também fiz uma conversa inicial com a Janssen, para iniciar a fase de estudos também.”
“No meu período ainda não tinha nenhuma vacina sendo comercializada, era o começo do processo da vacina. Foi quando eu trouxe o estudo da AstraZeneca para o estudo ser realizada no Brasil, para o Brasil ser um dos braços do estudo, na expectativa que a gente tivesse uma facilidade na compra futura.”
“Tendo uma estratégia mais focada em vacina, provavelmente teríamos tido mais vacinas.”
“As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente a constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19 […] Existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado por outros profissionais. E isso foi o que motivou a minha saída. Sem a liberdade para conduzir o ministério, optei por deixar o cargo.”
“Eu não diria que me senti enganado, mas percebi ao longo daquele período que eu não teria a autonomia necessária para conduzir da forma mais correta. O pedido [de demissão] específico foi por causa do pedido de ampliação do uso da cloroquina. Era um problema pontual, mas isso refletia numa falta de liderança.”
“Naquela semana teve uma fala do presidente, na saída da Alvorada, que ele fala que o ministro tem que estar afinado e cita o meu nome. Na véspera, pelo que vi, teve uma reunião com empresários onde ele fala que o medicamento [cloroquina] será expandido. À noite tem uma live, onde ele coloca que espera que no dia seguinte vá acontecer isso, que vai ter uma expansão do uso. E no dia seguinte eu peço a minha exoneração.”
“Na minha função como ministro, tendo autonomia, obviamente eu iria trabalhar o distanciamento, todos os mecanismos de proteção. O presidente podia ter as atitudes dele, mas a minha postura seria buscar tudo o que fosse importante para a sociedade […] A ideia era que a gente tivesse um programa nacional, de uma conduta homogênea.”
“O pedido específico [de demissão] foi pelo desejo [do governo] de ampliação do uso de cloroquina. Esse era o problema pontual. Mas isso refletia uma falta de autonomia e uma falta de liderança.”
“Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa [sobre a produção de cloroquina], foi fora do meu conhecimento. Ali eu tinha uma posição muito clara em relação não só sobre a cloroquina, mas a qualquer medicamento. Não fui consultado […] Do que eu vivi naquele período, a gente nem falava em cloroquina […] Foi um assunto que não chegou a mim, a produção da cloroquina.”
“É uma conduta que pra mim, tecnicamente, era inadequada [a implementação da cloroquina]. Isso é para qualquer medicamento. Existe uma metodologia para você incorporar um medicamento.”
“Do meu conhecimento não, nunca me foi passado pelo Robson que estava sendo distribuído cloroquina para a população indígena. Se aconteceu a distribuição sem eu saber, pode ter acontecido, mas nunca sob minha orientação, porque a minha orientação era contrária.”
“Enquanto a cloroquina era estudada e que você não sabia o resultado, não sabia se era benéfica ou não, você está numa situação de dúvida. A partir do instante em que você tem o resultado, eu colocaria o uso como errado. Porque você tem um dado que mostra que aquilo não funciona. São dois momentos distintos: um até ter a informação e um depois dela.”
“Ele [Pazuello] foi indicado pelo presidente. Eu conversei com ele, ouvi o que ele tinha para falar, da experiência dele e me pareceu que, naquele momento, quando eu precisava ter uma agilidade muito grande na parte de distribuição, me pareceu que ele poderia atuar bem […] Nós trabalhamos juntos ali ao longo do período, eu definia as coisas que deveriam ser feitas e ele ia executando o que eu falava. Quem definia era eu. Quem trabalhava a estratégia era eu.”
“Na posição de ministro, eu acho que seria mais adequado um conhecimento maior sobre gestão em saúde.”
“Economia e saúde não são coisas distintas. Quando você avalia o nível de saúde de uma sociedade, você tem coisas que são os determinantes sociais da saúde – tem economia, educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas. […] O que aconteceu que eu achei que foi muito ruim, foi que a economia foi tratada como dinheiro e empresa, e a saúde como vidas, sofrimento e morte. Mas na verdade tudo é gente. Quando você fala de economia não está falando de empresa, de emprego. Está falando de gente.”
“A minha estratégia era para bloqueio de transmissão combinando tudo: testagem, isolamento, rastreamento, quarentena […] Esse programa de isolamento, testagem, rastreamento, é importante que seja feito agora. Quando os casos começarem a acabar, nada impede que surja uma outra variante e você pode voltar para o momento inicial.”
“Não é o teste que faz a diferença, é um programa de controle de transmissão, onde o teste faz parte. A forma correta de usar é que vai fazer a diferença. Isso vale para qualquer dia, inclusive para hoje.”
“A tese de imunidade de rebanho onde você adquire imunidade através do contato, e não da vacina, é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas. Isso não é um conceito correto. Além disso, você teve muito mais casos do que o sistema pode receber […] A imunidade de rebanho, através de infecções, não. Isso é um erro.”
Fonte: G1