Um grupo de trabalho e duas comissões especiais que analisam Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) debateram, de forma simultânea, na Câmara Federal, mudanças profundas nos sistemas político e eleitoral do Brasil. Nestes colegiados estão em discussão desde a flexibilização da cláusula de barreiras até a adoção do voto impresso, criação da federação de partidos e mudança no nome da Câmara dos Deputados.
Desde a Assembleia Nacional Constituinte que o Legislativo não mexe de maneira tão profunda os sistemas que garantem a democracia brasileira. E isso está assustando grupos de ativistas que veem nestas mudanças propostas pelos deputados uma espécie “de passar a boiada” no momento em que uma CPI investiga o Governo Federal e uma pandemia mata mais de duas mil pessoas por dia no país.
“Discutir esse tipo de tema, de uma amplitude tão grande, durante uma pandemia com a população tendo que permanecer o máximo em casa é oportunista e inconsequente. Não é exagero dizer que, se esse processo não ocorrer com mais transparência, mais participação, menos açodamento, e num prazo mais largo, a própria democracia pode estar em risco”, alerta o diretor-executivo da Transparência Partidária, braço da Transparência Brasil, Marcelo Issa.
Reforma eleitoral
O grupo de trabalho da Reforma Eleitoral foi criado oficialmente, na última quarta-feira (23), mas uma comissão formada por 15 deputados trabalhou, desde fevereiro, na construção de um relatório preliminar que reuniu emendas e leis que estavam em tramitação na Casa para a formulação de um Código de Processo Eleitoral.
O colegiado, coordenado pela deputada federal Margarete Coelho (PP/PI), trabalhou com temas que mexem em praticamente tudo da atual legislação, como por exemplo tempo de mandato, número total de deputados, voto facultativo, cotas raciais e de gênero, recall de mandatos, financiamento de campanhas, fidelidade partidária, candidatura avulsa e até no próprio nome da Câmara dos Deputados, que passará a se chamar oficialmente Câmara Federal.
A partir desta semana, a deputada e os demais membros do grupo começam uma jornada de reuniões para debater a proposta com líderes partidários e bancadas. Só depois, o texto será protocolado e começará a tramitar na Câmara. Lira pretende aprovar as mudanças até outubro para que já valham nas eleições de 2022.
Cláusula de barreira ameaçada
Récem-adotada no ordenamento político-eleitoral brasileiro, a cláusula de barreira – ou cláusula de desempenho – visa diminuir o número de partidos com representação no Congresso Nacional. Adotada em 2018, ela prevê que um partido precisa alcançar um mínimo de 2% dos votos válidos em 2022, ou eleger 11 deputados em pelo menos um terço dos Estados.
Quem não obter este desempenho ficará sem os recursos dos fundos partidário e eleitoral, criados após o Supremo Tribunal Federal considerar inconstitucional o financiamento privado dos partidos. Outra restrição prevê que as siglas que não alcançarem o desempenho previsto não terão mais acesso ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral. Na primeira eleição sob estas regras, 14 partidos não cumpriram a cláusula.
A proposta que está em análise na PEC 125/11, a PEC da Reforma Política que é relatada na comissão especial pela deputada Renata Abreu (Podemos/SP). Um dos pontos que está em discussão nessa PEC é a inclusão de senadores em primeira parte do mandato (os quatro primeiros anos do mandato) no cálculo de desemprenho. Para se ter ideia do efeito dessa mudança tome-se como exemplo a performance do PSOL em 2018, quando elegeu apenas um deputado federal, mas conseguiu eleger cinco senadores. Se senadores contassem, o PSOL teria cumprido a cláusula. Outro partido que tem essa mesma característica é o Podemos, partido de Renata Abreu.
Também nessa PEC da Reforma Politica está a proposta do partido Novo de reintroduzir no ordenamento político-eleitoral o financiamento privado das campanhas. Se aprovado, os partidos e as campanhas seriam financiados exclusivamente por doações de pessoas físicas ou jurídicas, “observados os princípios da transparência e da moralidade”, bem como a vedação por um mesmo eleitor ou uma mesma empresa financiar mais de um candidato ao mesmo cargo no Executivo.
Voto impresso em baixa
A PEC que reintroduz o voto impresso, em paralelo ao voto eletrônico, é de autoria da deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL/DF) e prevê um sistema no qual o eleitor vota na urna eletrônica, que expede um comprovante para o eleitor conferir se o voto dele foi corretamente computado e depois deve ser depositado em uma urna comum. O eleitor não leva o comprovante para casa e o papel impresso serviria para uma auditoria se algum partido assim o solicitasse ao Tribunal Eleitoral de seu estado.
Nesta segunda-feira, um grupo formado por presidentes de onze partidos, a maioria integrante da base aliada de Jair Bolsonaro, divulgou que fechou questão contra essa mudança no sistema de votação, pois acreditam na segurança e na confiabilidade das urnas eletrônicas.
Também nesta segunda-feira, ministros do Tribunal Superior Eleitoral, corte que nunca engoliu essa proposta do presidente Jair Bolsonaro de passar a adotar o voto impresso, aventaram a hipótese, mas com um número reduzido de urnas. O cálculo se baseia no fato de que a cada eleição são renovadas 30% das urnas eletrônicas e que este pode ser o teto para a adoção deste sistema misto de votação.
Fonte:
Texto: Gerson Severo Dantas, com informações de Congresso em Foco e CNN