Um método que usa bactérias em mosquitos conseguiu reduzir em 77% os casos de dengue, segundo um estudo publicado na prestigiosa revista científica The New England Journal of Medicine.
O estudo, realizado na cidade de Yogyakarta (Indonésia), comprovou a eficácia da estratégia Wolbachia em reduzir a capacidade do mosquito de espalhar a dengue, e ampliou as esperanças para conter a doença que infectou mais de 1 milhão de pessoas no Brasil em 2020.
Estudos preliminares com o mesmo método realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no estado do Rio de Janeiro apontaram resultados promissores: “redução de até 77% dos casos de dengue e 60% de chikungunya nas áreas que receberam os Aedes aegypti com Wolbachia, quando comparado com áreas que não receberam”.
Há um estudo em curso em Belo Horizonte nos mesmos moldes do que foi realizado na Indonésia. “A expectativa é que em até quatro anos, que é o tempo do estudo, seja possível conhecer o impacto do Método Wolbachia no controle das arboviroses em Belo Horizonte”, disse em comunicado o pesquisador da Fiocruz e líder do método Wolbachia no Brasil Luciano Moreira.
O estudo conduzido na Indonésia usou mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia. Uma das pesquisadores do experimento, Katie Anders, descreve o micro-organismo como um “milagre natural”.
A Wolbachia não causa danos ao mosquito e toma conta das mesmas partes do corpo que o vírus da dengue precisa para ser espalhado pelo vetor.
O experimento na Indonésia utilizou 5 milhões de ovos de mosquito infectados com a Wolbachia. Os ovos foram colocados em potes de água na cidade a cada duas semanas, e o processo de constituir uma população infectada de mosquitos levou nove meses.
A cidade de cerca de 300 mil habitantes foi dividida pelos pesquisadores em 24 zonas, e esses mosquitos foram liberados em metade delas.
O estudo apontou uma redução de 77% no número de casos de dengue e de 86% na quantidade de pessoas que precisam de atendimento hospitalar.
A estratégia se mostrou tão bem-sucedida que os mosquitos foram espalhados pela cidade inteira, e agora o projeto está sendo expandido para áreas no entorno de Yogyakarta a fim de tentar eliminar a dengue da região.
A bactéria Wolbachia se mostrou também bastante manipulável e pode alterar a fertilidade de seus hospedeiros para garantir que eles passem o micro-organismo para a próxima geração de mosquitos.
Isso significa que, uma vez que a Wolbachia esteja estabelecida, ela pode continuar a ajudar a controlar as infecções por um longo tempo.
Essa estratégia contrasta com outras tentativas de controlar a doença, como inseticidas ou soltura de mosquitos macho inférteis, que precisam ser refeitas.
O experimento publicado na New England Journal of Medicine representa um marco significativo após anos de pesquisa, já que a Wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 60% dos insetos, inclusive em alguns mosquitos, mas não costuma aparecer naturalmente na espécie de mosquito que transmite a dengue, o Aedes aegypti.
Estudos com modelos matemáticos que tentam calcular e entender o espalhamento de doenças preveem que a Wolbachia poderia ser suficiente para suprimir completamente a dengue caso ela se estabeleça na população de mosquitos.
David Hamer, professor de medicina e saúde global da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, afirmou que o método tem grande potencial contra outras doenças transmitidas pelo mosquito, como zika, febre amarela e febre chikungunya.
Poucas pessoas ouviam falar da dengue há 50 anos, mas nas últimas décadas epidemias têm avançado dramaticamente. Em 1970, apenas nove países enfrentavam a doença. Atualmente, há mais de 400 milhões de casos por ano no mundo.
A dengue é conhecida em algumas localidades como “febre quebra-ossos” porque causa dos dores agudas nos músculos e ossos e epidemias explosivas podem lotar hospitais.
Considerado uma das espécies de mosquito mais difundidas no planeta pela Agência Europeia para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), o Aedes aegypti – nome que significa “odioso do Egito” – é combatido no Brasil desde o início do século passado.
Surgido na África em locais silvestres, o mosquito chegou às Américas em navios ainda na época da colonização. Ao longo dos anos, encontrou no ambiente urbano um espaço ideal para sua proliferação.
“Ele se especializou em dividir o espaço com o homem”, afirma Fabiano Carvalho, entomologista e pesquisador da Fiocruz Minas.
Um aspecto que também favorece a reprodução é o fato de a fêmea colocar em média 100 ovos de cada vez, mas não fazer isso em um único local. Em vez disso, ela os distribui por diferentes pontos.
Exterminá-lo também é difícil. Segundo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos, o Aedes aegypti é “muito resistente”, o que faz com que “sua população volte ao seu estado original rapidamente após intervenções naturais ou humanas”.
Mas, como o mesmo não havia ocorrido em países vizinhos, o mosquito voltou a ser detectado no fim dos anos 1960. Foi erradicado novamente em 1973 – e retornou mais uma vez três anos mais tarde. “Hoje não falamos mais em erradicação. Sabemos que isso não é possível”, disse à BBC News Brasil a bióloga Denise Valle, pesquisadora do laboratório de biologia molecular de flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O controle de doenças como a dengue, no entanto, parece cada vez mais próximo.
Fonte: Com informações adicionais da BBC News Brasil