“Bip… bip… bip”. O barulhinho captado pelo receptor de rádio frequência é uma das melodias preferidas da pesquisadora do Instituto Mamirauá Wezddy Del Toro. “É um som maravilhoso pelo que ele representa”, conta. O sinal vem de colares telemétricos colocados em onças-pintadas e indica a proximidade de um dos animais na natureza. Para Wezddy, que faz parte do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos da Amazônia, esse é o som da temporada de turismo de observação de onças-pintadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas.
Chamado “Expedição Onça-Pintada” ou, no inglês, “Jaguar Expedition”, o projeto fechou o terceiro ano de atividades em maio, com três pacotes turísticos de duração de uma semana cada. “A temporada de 2017 foi um sucesso”, afirma o líder do grupo de pesquisa, Emiliano Ramalho. “Os turistas puderam ver as onças-pintadas em situações distintas, como uma mãe um filhote e machos e fêmeas de onças juntos”.
Cada pacote turístico tem limite de um a seis visitantes por excursão. O número reduzido de turistas é intencional: as atividades são planejadas para o menor impacto ou interferência no ambiente das onças-pintadas, em sintonia com o ritmo e a vida desses animais na várzea. Os pacotes são uma parceria do Instituto Mamirauá e a Pousada Uacari, hospedagem flutuante de turismo de base comunitária. “A porcentagem de venda foi bastante satisfatória, gerando renda para colaborar com atividades da pesquisa e para o fundo comunitário dividido entre as dez comunidades que atuam com a Pousada Uacari”, comemora Pedro Nassar, coordenador do Programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá.
“Para conservar, é preciso conhecer e amar”, afirma Wezddy Del Toro. A pesquisadora explica que a “Expedição Onça” é uma alternativa para ajudar na conservação dos felinos. “O turismo de observação é uma forma de envolver os comunitários nas atividades turísticas e científicas e coletar dados durante as atividades para pesquisas”. As pesquisas também têm financiamento da Fundação Gordon and Betty Moore.
Comportamento único
O turismo com felinos é feito entre os meses de maio e junho, tempo em que o nível dos rios sobe e inunda as florestas nessa região da Amazônia. É quando as onças-pintadas que vivem na reserva revelam um comportamento único em toda a espécie: com a falta de terrenos secos, os bichos buscam as copas das árvores para se abrigar, entrando em um estado de baixa atividade. Momento ideal para serem vistos por turistas em roteiros orientados por especialistas do Instituto Mamirauá – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Para tentar entender os hábitos do animal nas florestas alagadas e realizar o turismo de observação, o Grupo de Felinos monitora as onças da Reserva Mamirauá durante o ano inteiro. O trabalho é intensificado a uma semana da chegada dos turistas, com monitoramentos realizados no alto e em meio à floresta.
Monitoramento no céu
Para rastrear os bichos nos mais de 11.000 quilômetros quadrados da reserva, os pesquisadores contam com tecnologias, a exemplo das armadilhas fotográficas instaladas na floresta e rádio colares ou colares telemétricos, colocados nos pescoços das onças. Cada aparelho possui GPS (Global Positioning System), transmite coordenadas geográficas via satélite e tem um sistema que emite um sinal para antenas (VHF), como um rádio. Este último método recebe o nome de telemetria.
Equipados com antenas e receptores de frequências, os cientistas partem para o monitoramento prévio ao turismo de observação. A busca pelas onças começa nos céus do município amazonense de Tefé, de onde o grupo sai para um voo sobre a Reserva Mamirauá. Captados de cima, os sinais de telemetria chegam melhor aos ouvidos, porque não sofrem a interferência dos troncos de árvore e outros obstáculos naturais da floresta.
“O sobrevoo deste ano foi um sucesso, conseguimos achar as três onças que estamos monitorando atualmente”, comemora o coordenador do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos da Amazônia, Emiliano Esterci Ramalho.
O trio de felinos é formado por “Fofa”, uma fêmea de onça-pintada com filhote, “Django”, uma onça preta, e Galego, registrado recentemente pelo grupo como a maior onça-pintada já capturada na várzea amazônica, pesando 72 quilos. “Todos os animais estão perto um do outro e próximos à Pousada Uacari, o que é excelente para o turismo de observação”, conta o pesquisador.
Depois de marcar os pontos de localização das onças pela busca aérea, parte do grupo de pesquisadores foi até à Reserva Mamirauá para tentar avistar as onças monitoradas
… e na floresta alagada
Nas florestas alagadas, o Grupo de Felinos precisa de mais do que equipamentos e preparo para encontrar as onças-pintadas. A experiência dos assistentes de pesquisa como Valciney Martins é essencial. Valciney é nascido na Boca do Mamirauá, uma das comunidades que fez parte da história de implantação da reserva, em 1996. Os caminhos da mata, canos e rios são conhecidos dele, que guiou as missões desse ano de monitoramento de onças em campo.
“Ouviu esse barulho? É o Galego”, ele avisa. Alertados pelos sons do animal na mata e pela frequência do colar telemétrico, Valciney e Wezddy seguiram o deslocamento da grande onça-pintada pela Ilha do Embaubal, uma das centenas de ambientes inundados, conhecidos como restinga alta, da reserva. “Ele escolheu esse lugar pra se alimentar, aqui é cheio de macacos e (bichos-)preguiças”, garante o assistente de pesquisa.
Monitorar os animais durante a cheia dos rios requer muita paciência e disposição. A equipe pode rodar cerca de dezenas de quilômetros por dia de barco a motor e canoa a remo e passar horas à procura dos animais, que nem sempre se mostram. Mesmo quando não são vistas, as onças deixam rastros, tais como fezes, pegadas no chão e restos de caça, como pêlos de macaco e carcaças de tracajá. Wezddy Del Toro explica que esses traços são coletados e geram informações para compreender melhor os modos de vida das onças nas várzeas da Amazônia.
Subindo a Aparinha do Jaquiri, outra zona alagada da floresta famosa por abrigar onças, uma surpresa para a equipe de observação: a fêmea Fofa é vista cuidando de um filhote recém-nascido, com aproximadamente de um mês de vida (veja as fotos na galeria). A última cria da onça-pintada de que os pesquisadores tinham conhecimento era um animal de um ano e nenhuma gestação de Fofa tinha sido registrada até então.
“O que nos impressionou é que a Fofa tenha tido outro filhote em tão pouco tempo. Geralmente as onças fêmeas esperam o crescimento de um filhote para acasalar de novo. Esse fato leva a novas perguntas e hipóteses sobre o animal”, diz a pesquisadora.
Expedição Onça
Os turistas que participarem dessa e das próximas temporadas da “Expedição Onça-Pintada” conhecem emoções e surpresas semelhantes às que vivem os pesquisadores do Grupo de Felinos no dia-a-dia da pesquisa e informações sobre a biologia, ecologia e conservação da espécie. Os pacotes turísticos, que duram uma semana, incluem palestras com os pesquisadores, além da observação das onças-pintadas. Para informações sobre valores, logística e como participar dos pacotes turísticos de observção de onças de 2018, acesse o site da Pousada Uacari.
*Com informações da assessoria