Ela tinha no máximo 4 anos de idade, seu semblante era feliz por mais que estivesse manchado de poeira e marca de lágrimas recentes, seu rostinho seco massacrado pelo sol escaldando lhe dava um ar de cansada, mas seu sorriso destoava de todo aquele quadro, era inevitável não notar aqueles olhos brilhantes de quem um dia, nem que fosse por um sonho, teve sua esperança regada com alguma notícia feliz.
Seus cabelos iluminados caiam no rosto enquanto ela me dizia com uma voz delicada e puxando a barra frouxa da minha calça “Tia, a senhora trouxe algum biscoito?” antes de me dar um Olá! Que linda, antes dela me ver eu já a observava, a suspendi no colo, coloquei meu boné nela e ela rindo disse “Obrigada Tia, mas e o biscoito?”, risos.
Depois dela comer e se esbaldar, pudemos conversar um pouco com alguns líderes daquele lugar, o mais interessante é que mesmo morrendo de fome, a pequena Rebeca, ANTES de comer o primeiro biscoito saiu gritando e mostrando para os amigos e irmãos próximos a ela dizendo “Vem comer, a Tia trouxe, vem, vem, vem, tem pra todo mundo”.
Ficamos alguns dias naquele lugar pra fazer obras sociais, cultos e algumas oficinas também. Escutamos várias histórias, mas com certeza essa foi a que mais me impactou.
Cenas breves às vezes compensam horas, dias, meses de viagem, o que eles não percebem (e talvez nem nós) é que os aprendizes somos nós, os mais necessitados muitas vezes somos nós.
Essa menina vivia vive em uma comunidade onde NÃO é proibido ser cristão, não declaradamente, mas eles sofrem um preconceito sutil quanto a fé deles. Seu pai era o único que trabalhava e havia sido demitido por ter se auto declarado cristão e ter começado a fazer cultos nos momentos de folga dos empregados. Só ele, sem nenhum apoio, ganhou 146 vidas para Jesus desde a sua conversão. Como ele ganhou, junto com isso, a má feição de alguns companheiros de trabalho e líderes locais, acabou tendo que ser demitido. Ele foi vorazmente atrás de outro emprego, claro, mas o que ele não contava era com uma doença degenerativa que o fez ficar impossibilitado de trabalhar arduamente para colocar o pão de cada dia na mesa. Ele explicou que a paralisia começou devagar, foi afetando primeiro os membros superiores, pequenos movimentos, espasmos esporádicos e por fim, o fez ficar de cama, dependendo sempre de alguém para fazer as necessidades básicas.
7 filhos, uma esposa cuidadosa e um coração cheio de fé, era o que ele tinha.
Eles viviam de doações e quase sempre tinham que contar por um pouco de “farinha” para que a tontura das crianças, de tanta fome, ao menos amenizasse.
Uma realidade que doía, um amor ensurdecedor e confrontador, uma realidade totalmente não entendível por olhos humanos, apesar de todas as lutas ele levantava sua voz muito mais alta que sua dor e dizia como Jó “Eu sei que meu redentor VIVE e a seu tempo se levantará”.
Às vezes reclamamos quando alguém discorda de nós, quando alguém conta mentiras sobre nós, quando perdemos um certo dinheiro, quando não temos aquela roupa que gostaríamos, quando somos reprovados, quando algo acontece… E se perdêssemos tudo e junto com isso a chance de tentar de novo?
Esse senhor nos ensinou naquela viagem muito mais de DEUS, um mistério que nos leva ALÉM, um homem que na alegria e na dor não deixou de CRER, por mais que a realidade dele estivesse totalmente fadada ao sofrimento e lástima, ele conseguia louvar, agradecer e SIM, sorrir e ensinar sua família a ser assim também. Seu José durou pouco tempo nessa vida breve, nesse SOPRO que temos aqui na Terra, vivendo dias de milagres e provisões, sedimentou a fé em DEUS incondicional na sua família e deixando um legado de força e persistência APESAR de tudo. Seus amigos iam visitar ele e saiam animados e com sua fé renovada, era incrível, era e é DEUS.
Ficamos sabendo que um projeto social do governo fincou uma base permanente lá e hoje a maioria dos moradores está conseguindo trabalhar para ter uma vida mais digna.
Rebeca virou minha amiguinha naqueles dias, hoje ela deve está com seus 9 anos, deve está uma mocinha linda e espero que continue recitando versículos com a mesma alegria dos 4 anos.
Servir a Deus é uma aventura que sempre ecoará mais na eternidade do que aqui.