No primeiro semestre de 2020, pesquisadores da Universidade Harvard já falavam da possibilidade de um vaivém de quarentenas ao longo da pandemia de coronavírus, causador da covid-19. Ou seja, moradores viveriam uma espécie de abre e fecha constante à medida que as ondas de infecção avançam e recuam.
Um ano depois, grande parte do Brasil já dá sinais da chegada de uma terceira onda da doença, menos de dois meses depois do recuo da onda anterior, que chegou a matar mais de 4.000 pessoas por dia no país.
Só que a pandemia ocorre em ritmo diferente ao redor do Brasil e há Estados brasileiros que atualmente começam a enfrentar o que poderia ser considerada uma quarta onda de covid-19, como Rio de Janeiro, Amapá, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Sergipe e Santa Catarina.
Santa Catarina tem hoje 15 de suas 16 regiões em situação gravíssima. Ou seja, com sinais como mais de 70% das UTIs ocupadas ou taxa de contágio (Rt) acima de 1, o que significa que as infecções estão aumentando e não recuando.
A atual taxa de ocupação de UTIs catarinenses é de 96%.
Desde o início no ano passado, Santa Catarina registrou três subidas e descidas das infecções. A primeira entre julho e outubro de 2020, a segunda de novembro de 2020 a fevereiro de 2021 e a terceira de março ao início de maio de 2021. Agora as internações e mortes voltam a crescer pela quarta vez, segundo dados compilados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No Rio de Janeiro, as internações por casos confirmados ou suspeitos de covid começaram a cair na última semana de março e voltaram a subir na última semana de abril. Quase 9 em cada 10 leitos no Estado estão ocupados.
O Amapá vive algo parecido. Hospitais começaram a ficar mais vazios no fim de março e voltaram a encher na segunda quinzena de maio. Sete em cada 10 leitos no Estado estão ocupados.
Em Mato Grosso do Sul, o sistema de saúde entrou em colapso e o governo estadual afirmou que o “número de casos positivos para a covid-19 voltou a disparar nos últimos dias” e a média bateu recorde, com 1.175 diagnósticos positivos em 24 horas. A ocupação de leitos na região da capital, Campo Grande, está em 101%, e a fila por leito no Estado tem 231 pessoas.
Os sinais de piora ficam mais claros em análises de nowcasting (uma projeção do momento que “dribla” a subnotificação e torna mais nítida a imagem do que está acontecendo atualmente). Um trabalho de nowcasting liderado por Leonardo Bastos, estatístico e pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pode ser acompanhado em detalhes aqui.
Para especialistas em epidemiologia e saúde pública ouvidos pela BBC News Brasil, uma das principais explicações para tanto vaivém de infecções no país é o fato de as medidas de distanciamento social serem suspensas por governantes antes que o contágio esteja de fato sob controle. E isso por ocorre por diversos motivos, como as fortes pressões econômicas e políticas para não deixar o comércio fechado.
No início de maio, a Fiocruz afirmou que “somente a redução sustentada por algumas semanas poderá permitir a melhoria dos vários indicadores de monitoramento da pandemia”. Os indicadores a que a instituição se refere incluem a taxa de ocupação dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) e o número de mortes por covid.
Outras possíveis razões para as sucessivas ondas de covid incluem aglomerações frequentes de multidões (festas, protestos, campeonatos etc.), o surgimento de variantes do coronavírus mais transmissíveis, o ritmo lento de vacinação e a cada vez menor adesão da população ao distanciamento social.
Segundo o Datafolha, o nível atual de isolamento dos brasileiros para evitar ser infectado pelo coronavírus é o mais baixo desde abril de 2020, quando o índice era de 72%. Em março deste ano, chegou a 49%. Agora, gira em torno de 30%.
Dessa forma, enquanto grande parte da população não estiver vacinada contra a covid-19, boa parte do país tende a continuar enfrentando sucessivas ondas de infecção. Ou, para alguns, a mesma grande onda que vem desde o início de 2020.
Não há consenso em torno da definição de uma onda, mas em geral o termo é usado para descrever o crescimento acelerado de infecções, internações ou mortes.
Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o governo federal não está “vislumbrando” a chegada de uma terceira onda da doença no país e atua de “maneira adequada” a evitá-la, que em sua visão é “avançar na campanha de vacinação”.
O problema é que o Brasil não tem conseguido acelerar seu programa, e agora tem sofrido ainda mais com atrasos e escassez de vacinas.
Desde fevereiro, o país leva de 12 a 14 dias para aplicar 10 milhões de vacinas. Quase 42 milhões de brasileiros receberam a primeira dose e 21 milhões, as duas (cerca de 10% da população). Só que 1 em cada 5 cidades tem enfrentado falta de vacinas, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Além disso, os sinais da próxima onda de contágio são claros para governadores, prefeitos e especialistas em epidemias. “Se não fizermos nada, um novo colapso, como o de março, se avizinha”, disse o governador baiano, Rui Costa.
O prefeito de Salvador, Bruno Reis, afirmou que “se os números crescerem a partir de agora na medida em que cresceram na primeira onda (deste ano), dificilmente nós vamos evitar um colapso porque tanto a prefeitura quanto o governo do Estado já chegaram ao limite máximo de abertura de novos leitos”.
No Estado de São Paulo, onde a ocupação de leitos UTI voltou a passar de 80%, a cidade de Ribeirão Preto decidiu fechar por alguns dias o comércio, os mercados e até o transporte público.
Em seu relatório semanal mais recente, a Fiocruz afirmou que a situação da pandemia de covid-19 no Brasil voltou a piorar em pelo menos oito Estados. E em outros dez, a tendência de queda nos números está se estabilizando, o que também representa uma preocupação.