É porque seus pais sempre fizeram tudo por você. Eles eram exemplos, certeza. Você nunca passou dificuldade. Aposto que tinha tudo na mão. Com essa cara de mauricinho, aposto mais ainda que era do tipo riquinho. Não passou necessidade. Não teve que dar duro desde criança. Sua vida sempre foi boa. Vida de rei.
Pra mim não. A vida foi bem difícil. Eu não tive pai, não tive mãe, fui criado pelos meus avós, fui rebelde porque ninguém nunca fazia nada por mim. Vivia sem dinheiro e largado. Minha avó era chata demais, superprotetora e meu avô durão. Eu fui criado pelo mundo. Vivia na rua ou na casa de amigos. Tinha uns pais de amigos meus que ficavam me aconselhando, e eu achava aquilo um porre. Perda de tempo. Eu queria mesmo era diversão, a qualquer custo.
Mal sabe ele que você foi abandonado pelo seus pais, em vida. Que eles eram seu pequeno mundo, principalmente sua mãe, e que você era apenas uma criança de colo, quando eles resolveram partir e te deixar. Ele se foram pra longe, nem te incluíram em seus planos. Simplesmente te deixaram como se deixa um relógio guardado na gaveta. Se você fechar os olhos ainda hoje, depois de adulto, consegue lembrar do dia em que partiram. O dia em que se foram pra nunca mais voltar.
Naquele dia você chorou como um bebê, chorou por dias, meses e anos porque sabia que não os veria mais, sabia que não sentiria mais o cheirinho da sua mãe, não ouviria mais a voz dela. Percebeu que eles te deixaram com aquela tia de décimo grau, da casa ao lado, cheia de conflitos amorosos, de entra e sai. Sua avó e seu avô doentes e seu irmão caçula.Você sim foi criado pelo mundo.
Mas você fez exatamente como achou que deveria ter feito. Se dedicou a ser o melhor sobrinho pra sua tia e o melhor neto para seus avôs, você sempre foi do tipo que preferia fazer de tudo pra não dar trabalho, cresceu sendo o melhor filho aos seus pais que ainda eram ausentes. Gostava de sentar e ouvir os pais dos seus amigos, chegava a se sentir como um filho para alguns deles, carregava seu irmão pra todo lado e tentava ser o pai que ele não tinha.
Fez de tudo e conseguiu terminar os estudos, caminhou a pé quilômetros no dia em que não tinha dinheiro nem para o ônibus. Bebia água no dia em que tinha fome, e economizava cada moedinha pra poder tirar xérox daquele professor “bombástico” da faculdade. Estudava de manhã, fazia estágio à tarde e ainda trabalhava a noite pra ajudar em casa.
A diferença entre você e aquele seu colega é que você escolheu prestar na vida. Escolheu ser responsável a cada acontecimento difícil que viveu. Escolheu não rejeitar seus pais e, depois de anos ausentes, perdoá-los e não culpá-los por terem te deixado. E quem te vê hoje tão bem-sucedido, por trás dessa cadeira, desse seu escritório tão “chic”, não sabe nem a metade do que você passou, não é mesmo Rodrigo?