O abuso de poderes tem sido motivo de cassação de políticos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que pode causar disparidade entre concorrentes. Neste quesito, entram os poderes econômico e político.
Ao se manifestar no julgamento de uma ação que pede a cassação da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora, o ministro Edson Fachin defende que o “abuso de poder religioso” também deve ser motivo para a cassação de políticos.
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, disse Fachin.
O posicionamento do ministro provocou forte reação dos deputados da bancada evangélica, que marcaram uma reunião com o ministro Fachin para discutir o tema. O encontro está marcado para o dia 5 de agosto, na volta do recesso.
Um dos mais atuantes parlamentares da bancada, o deputado federal Sóstenes Calvacanti (RJ) questiona: “Existiria também o ‘abuso do poder sindical’, ‘abuso do poder ruralista’ ou ‘abuso do poder ideológico’?”
Direito constitucional
A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e o Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) também se posicionaram sobre a figura do “abuso de poder religioso”.
As entidades argumentam que “nem a Constituição da República nem a legislação eleitoral contemplam expressamente a figura do abuso do poder religioso”, citando o inciso VI do artigo 5º da Constituição, o qual declara que a “diversidade religiosa constitui direito fundamental”.
No entanto, a FPE e a ANAJURE lembram que a Constituição assevera que “a liberdade religiosa não constitui direito absoluto”. As entidades expõem ainda o texto constitucional onde diz que “a liberdade de pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de atos vedados pela legislação”.
Dentre as proibições citadas na CF, as entidades citam o “pedido de voto em favor dos candidatos” feito por líderes religiosos e a utilização de espaços, como templos, para realização de “propaganda eleitoral”.
Em nota, a FPE e a ANAJURE declaram que “O direito à liberdade religiosa deve ser garantido no contexto eleitoral, assegurando-se aos religiosos a possibilidade de ouvir instruções políticas, analisá-las e tomar decisões em conformidade com a sua cosmovisão”.
Nas redes sociais também houve intensa mobilização de aliados do presidente Jair Bolsonaro, que veem na posição do ministro uma “caça às bruxas” contra o conservadorismo.
Judiciário
Mesmo tendo votado contra a cassação da vereadora, por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para confirmar o “abuso de poder religioso”, o ministro Edson Fachin fez uma série de observações em seu voto sobre a necessidade de Estado e religião serem mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores.
Fachin propôs ainda a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente levar à cassação de mandato de políticos, de vereadores a presidente da República.
No julgamento iniciado no dia 25 de junho, o ministro Alexandre de Moraes discordou do colega nesse ponto, já que a hipótese de “abuso de poder religioso” não está prevista expressamente em lei.
“Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, observou Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições presidenciais de 2022.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho. O caso deve ser liberado para a retomada do julgamento em agosto.
GUIAME