A polêmica decisão de abrir uma área gigante da Amazônia à mineração

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Foto: Reprodução

Em meados de 1980, uma região da floresta amazônica entre o Pará e Amapá comparada à Serra dos Carajás por seu potencial mineral despertava o interesse de investidores brasileiros e estrangeiros.

Para salvaguardar sua exploração, o então governo militar decretou em 1984 que grupos privados estavam proibidos de explorar a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área de quase 47 mil km quadrados – maior que o território da Dinamarca. A ideia era que a administração federal pesquisasse e explorasse suas jazidas.

Nos anos seguintes, no entanto, o projeto avançou pouco, e a riqueza natural da área levou à criação de nove zonas de proteção dentro da Renca, entre elas reservas indígenas. A possibilidade de mineração foi, então, banida.

Mais de três décadas depois do decreto, nesta quarta-feira, o governo federal reabriu a área para a exploração mineral, numa iniciativa que gera expectativa de empresas e preocupação de pesquisadores e ambientalistas.

Assinado pelo presidente Michel Temer, o decreto nº 9.142 extingue a Renca e libera a região para a exploração privada de minérios como ouro, manganês, cobre, ferro e outros.

Em meio à crise econômica, o Ministério de Minas e Energia argumenta que a medida vai revitalizar a mineração brasileira, que representa 4% do PIB e produziu o equivalente a US$ 25 bilhões (R$ 78 bilhões) em 2016, mas que vinha sofrendo com a redução das taxas de crescimento global e com as mudanças na matriz de consumo, voltadas hoje para a China.

Críticas

O ministério garante que o decreto cumprirá legislações específicas sobre a preservação da área. Ou seja, áreas de proteção integral (onde não é permitida a habitação humana) e terras indígenas serão mantidas.

No entanto, a iniciativa foi bombardeada por especialistas brasileiros e estrangeiros, que acreditam que os prejuízos da mineração serão sentidos amplamente.

“Não poderia ter uma notícia pior”, resumiu à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe, que monitora o desmatamento da Amazônia) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Segundo o pesquisador, haverá impacto nas correntes marítimas que transportam umidade à região amazônica e que uma seca pode ser sentida até nos vizinhos do continente.

“Isso vai afetar toda a bacia amazônica e o continente sul-americano. É o mesmo que pegar uma pessoa pelo pescoço”, afirma Nobre.

A Amazônia brasileira chegou a ter recorde de 80% na queda do desmatamento entre 2004 e 2012, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Mas voltou a crescer nos últimos cinco anos – embora uma tendência comece a indicar novamente uma redução. Além disso, 2015 e 2016 foram anos recordes de queimadas na região, segundo dados do Inpe.

Áreas de proteção são essenciais para conter o desmatamento, ressalta Erika Berenguer, pesquisadora-sênior do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford.

“O maior impacto não será na área de mineração, mas indireto. Haverá um influxo de pessoas que levará a mais desmatamento, mais retirada de madeira e mais incêndios”, explica. “É uma visão muito simplista do governo de dizer que só uma área será afetada.”

“Fora que a mineração é altamente poluidora e tem poucos benefícios para a população local, vide a situação socioeconômica de Carajás”, acrescenta Berenguer.

Jazidas de Carajás

A Serra dos Carajás, no sudoeste do Pará, é vizinha da Renca e abriga parte das maiores jazidas de minério de ferro, ouro e manganês do mundo. Com a corrida de minérios a partir dos anos 1960, grandes centros urbanos se instalaram no entorno, pressionando o bioma dali.

O potencial geológico da Renca é semelhante ao de Carajás, segundo a organização WWF e o geólogo Onildo Marini, diretor-executivo da Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (Adimb). Por isso é tão interessante para investidores.

“Essa região é altamente promissora para a exploração de diversos minérios”, afirma Marini.

O geólogo concorda que a abertura da área provocará “certo impacto” com a construção de rodovias, chegada de energia elétrica e de moradores. Mas defende que ele ficará restrito.

“As empresas exploradoras precisam manter um plano de manejo adequado, e as áreas de proteção integral não serão afetadas”, garante.

A fiscalização do local não impede o garimpo ilegal. Jos Barlow, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), pesquisa a Amazônia há quase duas décadas e já esteve na estação ecológica do Jari, na borda sul da reserva.

“Eu conheço bem o Jari. Quando você está ali, escuta aviões de garimpeiros a cada 30 minutos. Todos estão pousando na Renca”, conta o professor de ciência da conservação.

O governo federal e Marini argumentam que a atividade mais extensiva no local vai inibir os garimpeiros ilegais. Já Erika Berenguer diz o contrário: com o corte de verbas de órgãos ambientais, a abertura da região vai dificultar ainda mais a fiscalização.

O valor de R$ 3,9 bilhões, um dos menores da história, será dividido entre Ibama e outros dez órgãos ambientais neste ano, anunciou o Ministério do Meio Ambiente.

‘Mudará para sempre’

Os pesquisadores também lembraram o evento de Mariana, o pior acidente da mineração brasileira, em 2015, quando uma barragem rompeu no município de Minas Gerais, destruindo vilarejos no entorno do Rio Doce.

“O desastre aconteceu em plena Minas Gerais, totalmente urbanizada, imagine o controle que se tem em lugares ermos como a Amazônia”, afirma Bereguer.

Jos Barlow também critica a iniciativa de Temer: “Isso mudará a área inteira para sempre”.

Ele alertou para problemas sociais na região, semelhantes aos que ocorreram em Belo Monte e Altamira, e a previsão de mudanças climáticas.

“Qualquer perda de floresta e entrada de agricultura e estradas vai baixar a resiliência das florestas para secas severas, aumentando incêndios florestais”, afirma.

Em entrevista à BBC, Ghillean Prance, da organização Trustee Eden Project, da Inglaterra, considerou a quarta-feira do decreto “um dia triste para o meio ambiente da Amazônia”.

Perguntado sobre o argumento do governo de que as áreas ricas ambientalmente serão preservadas, ele afirmou: “Não acredito nisso. Há cada vez mais impacto ocorrendo nas reservas indígenas.”

E lembrou que o mercúrio usado na extração de ouro pode afetar populações locais. “Vilarejos já morrem de envenenamento de mercúrio na Amazônia”, disse.

Processo de dois anos

A extinção do Renca é aventada desde 2015, quando começava-se a debater o marco regulatório para a mineração. Em novembro passado, representantes do CPRM, o serviço geológico brasileiro, testaram a popularidade da área com investidores numa conferência do setor em Londres.

E em abril deste ano, o Ministério de Ministério de Minas e Energia publicou uma portaria balizando os trâmites para a extinção da reserva – o decreto confirmou a mudança.

Antes mesmo da criação da Renca, na década de 1980, houve 160 requerimentos de mineração na área, segundo levantamento da WWF. A maior parte deles foi retirada, mas os que restaram, em torno de dez, terão prioridade na análise do governo de concessões.

Esses pedidos que deverão prosseguir compreendem uma área de 15 mil quilômetros quadrados, em torno de 30% do total da Renca. Para o restante da área, devem ser abertas licitações.

(Portal  Terra)

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