“Eu não me identifico mais com esse termo”, explica Tullian ‘Boz’ Tchividjian ao jornal The Guardian. Neto do famoso evangelista Billy Graham e um dos principais responsáveis pela popularização do movimento evangélicos nos EUA.
A trajetória do neto de Graham é complicada. Ele já foi considerado um dos pastores mais promissores de sua geração. Liderava uma grande igreja, mas adulterou e foi deposto do cargo em 2015. Assumiu um novo ministério no ano seguinte, mas acabou se envolvendo em outro caso de adultério. Veio a público pedir perdão ao corpo de Cristo, mas sequer usa o sobrenome famoso.
Para ele “As palavras importam, pois ‘evangélico’ não é como ‘batista’ ou ‘episcopal’, que podem ser facilmente definidas. Quando você usa esse termo, acaba sendo definido pela forma que a pessoa o interpreta”.
A associação de líderes evangélicos com ideais políticos, na maioria conservadores, tem incomodado um número crescente de pessoas nos Estados Unidos. Em especial por que muitos desses líderes apoiam Donald Trump, como Franklin Graham, tio de Tullian.
Adepta a décadas da teologia liberal, a Sociedade Evangélica da Universidade de Princeton removeu recentemente o “evangélica” do nome, alegando que não representa mais sua visão. Com 80 anos de fundação, passou a se chamar Sociedade Cristã de Princeton.
William Boyce, secretário-executivo da instituição, explicou assim a mudança: “nos últimos anos… estamos vendo mais estudantes que não se definem como ou não compreendem corretamente o termo evangélico”.
Tony Campolo, pastor liberal conhecido por sua posição esquerdista, tomou a mesma decisão. Segundo ele, muitas conotações negativas foram atribuídas ao termo. “Nos sentimos desconfortáveis em nos chamarmos de evangélicos, pois o público em geral pensa coisas sobre nós que não são verdadeiras. Não concordamos com a pena de morte, não somos a favor da guerra, não odiamos gays e não somos antifeministas”, resume.
Seu filho, Bart, desde 2011 é um ativista ateu que critica constantemente os ministérios com quem trabalhou, inclusive o de Tony.
Na maior parte da América Latina, o termo “evangélico” é um sinônimo de protestante, que mantém a tradição que os reformadores iniciaram 500 anos atrás. Contudo, nos Estados Unidos e na Europa, onde há uma clara distinção entre protestantes tradicionais e os do movimento pentecostal, a ideia de evangélico também é política, pois eles geralmente defendem o conservadorismo, algo que a mídia vem tentando rotular como “extrema-direita”.
“Com uma definição tão ampla e vaga do evangélico, as pessoas podem presumir automaticamente que todo evangélico é defensor do Trump”, reclama Tchividjian. “Estamos vendo a fé através de uma lente política, e isso é perigoso”.
Christopher Stroop, um “ex-evangélico” que se tornou um feroz crítico desse segmento religioso, enfatiza que a eleição de Trump e sua associação com os evangélicos, fez com que milhares abandonassem o rótulo “evangélico”.
Ele diz que o grupo “Exvangelical”, criado no Facebook, mostra como há um movimento crescente que procura se distanciar do meio ao qual pertenciam. Contudo, não se trata de uma massa uniforme. “Muitos líderes apenas querem fugir das associações negativas, mas continuam votando contra os direitos LGBT ou das mulheres”, critica Stroop.
O outro lado da questão
Todd Stiles, pastor evangélico do Iowa, um estado-chave para os votos evangélicos, analisou essa questão. “Parece que as pessoas estão menos propensas a se identificar como evangélicos nos dias de hoje”, reconhece. Mas ele vê por um outro ângulo.
“Muitos candidatos à presidência afirmaram ser evangélicos, mas não vivem suas vidas de acordo com a Bíblia”, resume. Segundo ele, foram alguns pastores e políticos que estão distorceram o significado com sua postura incongruente com a fé. “Eles realmente forçaram uma definição da palavra. Quando um termo se torna tão abrangente que engloba tudo, acaba não abrangendo nada”.
Leith Anderson, presidente da Associação Nacional de Evangélicos, diz que para os ativistas liberais, a palavra “evangélico” tornou-se uma ferramenta para se opor a políticas conservadoras. Contudo, muitas dessas críticas são injustificadas pois acabam tentando rotular todo mundo por conta da atuação de alguns.
“Há pessoas que se identificam como evangélicas e então fazem coisas estranhas. De alguma forma isso é projetado sobre todos”, disse ele. “Há alguns anos, o pastor de uma pequena igreja na Flórida decidiu que iria queimar o Alcorão como forma de protesto. Passei a receber muitas ligações de agências governamentais e imprensa. Nunca tinha ouvido falar de um líder de respeito que quisesse queimar o Alcorão, era apenas esse cara! Se eu lesse essa história nos jornais e não soubesse nada sobre os evangélicos, poderia pensar que todos eles pensam assim”.
O jogo da mídia em tentar classificar o todo por causa de um ou outro é conhecido. Em agosto, 150 líderes evangélicos assinaram a ‘Declaração de Nashville’, um documento que reafirma o casamento bíblico e se opõe ao ativismo LGBT. Foram imediatamente criticados, chamados de homofóbicos, de espalharem discurso de ódio e todos esses termos comuns para os liberais.
Conforma lembra Anderson, a associação de evangélicos representa cerca de 40 denominações diferentes e muitos grupos que mantém escolas, hospitais e editoras. A definição mais básica de “evangélico” seria alguém que teve uma experiência de conversão pessoal, é “nascido de novo”. Acredita que só é possível ir para o céu através de Jesus Cristo; que a Bíblia é a palavra de Deus; e que é o mandato de todo cristão é anunciar a mensagem do evangelho.
“Ex-vangélicos” no Brasil
Não é surpresa notar que o mesmo tipo de tática vem sendo usada por aqui. O jornal O Globo publicou a matéria do The Guardian adulterada. Cortou as falas dos pastores conservadores e ignorou as graves questões ministeriais envolvendo os dois pastores liberais a quem deu voz.
A associação com ideais “radicais” e o rótulo de “extrema-direita” são igualmente impostos pela grande mídia sobre as lideranças evangélicas no Brasil. Toda vez que surge uma declaração polêmica ou questão pessoal, o assunto é explorado exaustivamente, onde se trata o todo pelas partes. Já quando falam de islâmicos, por exemplo, fazem questão de separar o indivíduo do grupo religioso ao qual ele pertence.
Embora o termo “ex-vangélico” não tenha se popularizado no Brasil, alguns pastores liberais tem insistido nessa legitimidade ao discurso da esquerda.